Saúde Mental é a verdadeira riqueza do século XXI e uma rápida análise sobre noticiários, eventos e questões que dizem respeito à atual humanidade não deixa dúvidas sobre isso.
Houvéssemos, nos últimos séculos, investido na construção de uma cultura da Saúde Mental em todo o mundo, a humanidade estaria em situação infinitamente melhor do que a situação em que se encontra no início deste milênio.
Todo e qualquer assunto ligado aos seres humanos possui relação com questões da Saúde Mental humana. Se o tema é “mundo do trabalho”, podemos falar sobre “realização pessoal” ou “burnout”. Se o tema é “família”, podemos falar sobre “afeto” ou “relações tóxicas”. Se o tema é “religião”, podemos falar sobre “propósitos” ou “fanatismos”. Se o tema é “esportes”, podemos falar sobre “autoconhecimento” ou “força de vontade”. Se o tema é “maternidade”, podemos falar sobre “mitos da maternidade” ou “maternidade real”.
Em se tratando de questões correlacionadas à condição humana, são infinitas as possibilidades teóricas, e práticas, relacionadas à Saúde Mental humana – e ‘transtornos mentais’ também estão dentro dessas possibilidades como um subconjunto dos múltiplos universos da Saúde Mental.
Mas a humanidade não sabe disso.
A humanidade não sabe quase nada sobre as suas infinitas relações com os universos multidimensionais da Saúde Mental – e por isso sofre muito além do que necessitaria sofrer.
Vou exemplificar com uma história real – e relacionada aos universos da maternidade.
Como psicólogo clínico, certa vez, eu atendia à uma adolescente com várias dores psíquicas e vários riscos de vida, como consumo de drogas ilícitas, uso abusivo de álcool e desejo de morte. Em certa altura do acompanhamento psicológico, pedi para falar com a sua mãe. Ao atender à mãe, ouvi, dela, o seguinte relato sobre a história das duas: “quando a criança era neném, eu trabalhava muito e quase não a via; quando a via, evitava pegá-la no colo, dar carinho e conversar com ela; eu tinha medo de que ela se acostumasse com a minha presença, com o meu calor, com o meu cheiro, com o meu toque, e sofresse muito quando eu saísse para trabalhar; fiz certo, não fiz, doutor? Não fiz o melhor para ela? Sozinha, ela aprendeu a se defender da carência e do apego, não foi doutor?”.
Infelizmente, com base no indubitável fato de que crianças precisam de afeto, tato e contato para crescerem saudáveis, sabemos que não fez, apesar de, aquela mãe, ter certeza de que esse era o jeito certo de criar a filha. Ela não tinha acesso a informações contrárias. Não existiam campanhas sociais sobre Saúde Mental e nenhuma circulação social de conhecimentos sobre necessidades psicológicas e bem-estar emocional das pessoas.
E assim a humanidade chegou até aqui, século XXI: analfabeta sobre temas da Saúde Mental.
Os prejuízos estão em toda parte: guerras, violências urbanas, criminalidades inesgotáveis, egoísmos sem fim, dependências químicas, comportamentos obsessivos, compulsões para todos os gostos, injustiças sociais, servidões ideológicas, fanatismos políticos, fundamentalismos religiosos, estupros, machismos, racismos, preconceitos de toda ordem, esgotamentos psicológicos, suicídios, abandonos, abusos de autoridade, destruição da natureza, transtornos mentais sem acompanhamento, aprisionamento de pessoas com transtornos mentais, medicalização da vida etc.
Fez-se necessário o nascimento da Luta Antimanicomial. Fez necessário o nascimento da Campanha Janeiro Branco. Fez-se necessário o nascimento da Campanha Maio Furta-Cor – e novos nascimentos ainda estão por vir.
Até o dia em que a humanidade se encontrar totalmente envolvida por uma cultura da Saúde Mental.
Até o dia em que Saúde Mental esteja absolutamente normalizada nas vidas das pessoas e em todas as suas relações sociais.
Como durante uma gestação e a história de uma família.
Como durante uma eleição. Uma conquista. Uma tradição. Uma perda.
Durante todo e qualquer processo de uma vida – e das vidas dentro de outras vidas.
De forma que, finalmente, possamos reconhecer como verdade inquestionável a antiga narrativa de que “saímos das cavernas”.
Ainda não saímos. Mal olhamos para fora.
Mesmo que moremos em Marte, ainda moraremos em cavernas enquanto não houver uma cultura da Saúde Mental permeando, fundamentando e condicionando as existências humanas.
Fora disso, sempre seremos as cavernas.
Por isso: VIVA O JANEIRO BRANCO! VIVA O MAIOR FURTA-COR! VIVA A LUTA ANTIMANICOMIAL!
O mundo pede, e precisa, de conhecimentos sobre Saúde Mental.
A humanidade agradece.
Leonardo Abrahão, idealizador da Campanha Janeiro Branco
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